Música como ferramenta para o ensino da Segunda Guerra Mundial
Estratégias de ensino-aprendizagem
As músicas podem ser uma ótima ferramenta nas mãos do professor de História, seja para o ensino da Segunda Guerra Mundial, seja de qualquer outro assunto explorado em sala.
Como todo professor de História sabe, um dos assuntos que mais repercutem entre os alunos em sala de aula e que mais acumulam entusiastas fora dela são os eventos relacionados à Segunda Guerra Mundial. Conforme já abordamos em outros textos, esse assunto é explorado de diversas maneiras: no cinema, na literatura, em HQs, nos videogames etc.
Algumas formas de se explorar o assunto em sala de aula já foram abordadas aqui no Canal do Educador do Brasil Escola. Caso tenha interesse em abordar as propagandas de guerra produzidas durante a Segunda Guerra Mundial, clique aqui. Se preferir, temos uma sugestão de aula sobre o bombardeio atômico em Hiroshima a partir do mangá Gen Pés Descalços e também temos uma sugestão de cinco filmes sobre o assunto que podem ser recomendados para os alunos.
A proposta deste texto é parecida, mas o enfoque é diferente. A abordagem de hoje será o uso da música em sala de aula como forma de ensino da Segunda Guerra Mundial. O exemplo deste texto será retirado das músicas produzidas pela banda sueca de Power Metal chamada Sabaton. Antes de iniciar, é importante fornecer um pequeno perfil da banda.
Sabaton, conforme já mencionado, é uma banda da Suécia que faz músicas no estilo conhecido como Power Metal (um derivante do Heavy Metal). As letras dessa banda trazem, em geral, personagens marcantes que atuaram destacadamente em guerras, assim como abordam as batalhas em si, seja da Segunda Guerra Mundial, seja de outros conflitos.
Contextualização histórica
É sempre importante realizar uma pequena contextualização histórica para ampliar a compreensão do assunto. A Segunda Guerra Mundial foi fruto do expansionismo alemão pela Europa, que visava à construção do chamado Terceiro Reich à custa da conquista de povos entendidos pelos nazistas como “inferiores”.
Acesse também: Nazismo e O que foi o “espaço vital” nazista?
Assim, entre 1938 e 1939, a Alemanha invadiu e conquistou Áustria e Tchecoslováquia. Depois, houve a invasão da Polônia, o que acabou sendo o estopim para que ingleses e franceses declarassem guerra aos alemães, iniciando esse conflito que se estendeu por seis anos e por quatro continentes, resultando na morte de aproximadamente 60 milhões de pessoas.
As dimensões inacreditáveis que esse conflito tomou, naturalmente, renderam diversas histórias, que foram resgatadas pelo trabalho dos historiadores (e muitas outras ainda estão a ser descobertas) e, como mencionado, servem de inspiração para que filmes, jogos e músicas sejam produzidos.
Sabaton e a Segunda Guerra Mundial
No caso da banda Sabaton, um trabalho mais detalhado sobre as músicas já permite ao professor selecionar alguns exemplos que podem ser trazidos para a sala de aula. Isso, além de ampliar o interesse no assunto, possibilita que o professor faça um trabalho mais expressivo sobre a capacidade dos alunos de reflexão.
É claro que é necessário certo cuidado com os estereótipos que muitas vezes são transmitidos por essas produções. Em alguns casos, todavia, é ate importante que certos estereótipos sejam trazidos e explorados em sala para que uma problematização e uma análise mais detalhada da questão seja feita com os alunos. Isso nos remete ao nosso primeiro exemplo.
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Primo Victoria
Para acompanhar de maneira apropriada, deixamos aqui em baixo a letra da canção com o original, em inglês, e sua tradução para o português:
Inglês |
Português |
Through the gates of hell As we make our way to heaven Through the nazi lines Primo victoria
We've been training for years Now we're ready to strike As the great operation begins We're the first wave on the shore We're the first ones to fall Yet soldiers have fallen before
In the dawn they will pay With their lives as the price History's written today In this burning inferno Know that nothing remains As our forces advance on the beach
Aiming for heaven though serving in hell Victory is ours their forces will fall
Through the gates of hell As we make our way to heaven Through the nazi lines Primo victoria
On the 6th of june On the shores of western europe 1944 D-day upon us
We've been here before Used to this kind of war Crossfire grind through the sand Our orders were easy It's kill or be killed Blood on both sides will be spilled
In the dawn they will pay With their lives as the price History's written today Now that we are at war With the axis again This time we know what will come
Aiming for heaven though serving in hell Victory is ours their forces will fall
Through the gates of hell As we make our way to heaven Through the nazi lines Primo victoria
On the 6th of june On the shores of western europe 1944 D-day upon us
6th of june 1944 Allies are turning the war Normandy state of anarchy Overlord |
Através dos portões do inferno Enquanto fazemos nosso caminho para o céu Através das linhas nazistas Primeira vitória (termo original em italiano)
Nós estamos treinando por anos Agora estamos prontos para atacar Enquanto a grande operação começa Nós somos a primeira tropa a seguir pela praia Nós somos os primeiros a cair Mesmo que soldados tenham caído antes
No amanhecer eles vão pagar Com suas vidas como o preço Hoje a história está sendo escrita Neste ardente inferno Sei que nada permanece Enquanto nossas forças avançam pela praia
Buscando o céu ainda que servindo no inferno A vitória é nossa, as forças deles cairão
Através dos portões do inferno Enquanto fazemos nosso caminho para o céu Através das linhas nazistas Primeira vitória
No dia 6 de junho Nas praias da Europa ocidental, 1944 Dia D está sobre nós
Nós estivemos aqui antes Acostumados com este tipo de guerra Fogo cruzado range através da areia Nossas ordens eram fáceis É matar ou ser morto Sangue será derramado em ambos os lados
No amanhecer eles vão pagar Com suas vidas como o preço Hoje a história está sendo escrita Agora que estamos em guerra Com o Eixo de novo Desta vez, nós sabemos o que virá
Buscando o céu ainda que servindo no inferno A vitória é nossa, as forças deles cairão
Através dos portões do inferno Enquanto caminhamos para o céu Através das linhas nazistas Primeira vitória
No dia 6 de junho Nas praias da Europa ocidental 1944 Dia D sobre nós
6 de junho de 1944 Os Aliados estão virando a guerra Normandia, estado da anarquia Overlord (nome da operação militar) |
A música “Primo Victoria” (Primeira Vitória, em português) faz parte do primeiro álbum da banda (o álbum possui o mesmo nome da canção), que foi lançado em 2005. O álbum em si possui músicas que fazem menção a diferentes conflitos (Segunda Guerra Mundial, Guerra do Vietnã, Guerra do Golfo etc.). A música Primo Victoria é a mais conhecida desse álbum e uma das mais conhecidas da banda.
A música faz menção aos desembarques aliados na Normandia, no dia 6 de junho de 1944, e conhecidos como Dia D. Também chamado de Operação Overlord (nome que é inclusive mencionado na música), o Dia D foi parte de um esforço dos Aliados para ampliar o desgaste sobre a Alemanha nazista criando um novo fronte (os alemães já estavam lutando contra os Aliados no Leste Europeu e na Itália).
A música refere-se à batalha durante o Dia D como “inferno ardente” (burning inferno, no original em inglês), o que corrobora as impressões tidas sobre a guerra em alguns dos cenários, mas não em outros. O historiador Max Hastings, por exemplo, afirma que a batalha na praia de Omaha foi duríssima e com algumas perdas consideráveis para os Aliados. Já a batalha em Utah foi considerada bastante fácil – o que surpreendeu os próprios soldados americanos|1|.
A respeito das diferentes condições encontradas pelos soldados nas diferentes praias em que eles desembarcaram no Dia D, cabe uma reflexão sobre a memória que ficou perpetuada sobre essa ação e de como essa memória muitas vezes não condiz com a forma como os eventos aconteceram.
Outro ponto importante que pode ser explorado a partir da letra é o trecho “6 de junho de 1944, os Aliados estão virando a guerra” (no original em inglês, 6th june 1944, Allies are turning the war) e aqui cabe um debate bem extenso sobre a importância do Dia D no resultado final da guerra. A versão da história contada pelos americanos, naturalmente, ressalta a mérito do Dia D e coloca-o em uma posição de grande importância para a derrota dos nazistas. Há, no entanto, que ser ressaltado que essa visão é contestada por muitos historiadores e por inúmeras evidências trazidas pelo trabalho realizado por eles. Fazendo uma análise mais detalhada do conflito, podemos perceber que outros momentos foram muito mais cruciais para o desfecho da guerra do que o Dia D, pois esse evento iniciou a reconquista da França e antecipou a derrota alemã, mas, em 1944, os alemães já estavam em uma posição delicada, e isso foi resultado de outros momentos em que haviam sido derrotados, como nas batalhas travadas em Moscou, Stalingrado, Kursk etc.
O ponto crucial para a vitória alemã era uma reconquista rápida da União Soviética, pois o comando nazista sabia que a quantidade de recursos da Alemanha não eram suficientes para tal objetivo. Além disso, se formos considerar o impacto de uma batalha em perdas humanas, os acontecimentos em Stalingrado foram muito mais catastróficos para a Alemanha do que necessariamente na Normandia.
Leia também: Operação Barbarossa
A quantidade de perdas (entre mortos e feridos) de soldados para a Alemanha no Dia D foi de aproximadamente 9 mil soldados; em Stalingrado, foram 800 mil. No caso dos Aliados, as perdas foram de aproximadamente 10 mil soldados durante o Dia D. Em contrapartida, na Batalha de Stalingrado, as perdas humanas para os soviéticos foram de mais de 1 milhão de pessoas. Esses são apenas alguns dados que nos ajudam a dimensionar melhor essa discussão. A ampliação desse debate em sala de aula fica a critério do professor.
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Smoking Snakes
Como não existe vídeo oficial dessa música produzido pela banda no YouTube, não incorporaremos o vídeo aqui, mas caso queira acessar e ouvir a música, clique aqui.
Segue a letra da canção no original em inglês e sua tradução para o português:
Inglês |
Português |
We remember, no surrender Heroes of our century
Three men stood strong, and they held out for long Going into the fight, to their death that awaits Crazy or brave, will it end in the grave? As they're giving their lives As their honor dictates
Far, far from home, to a war Fought on foreign soil and Far, far from known, tell their tale Their forgotten story Cobras fumantes, eterna é sua vitória
Rise from the blood of your heroes You were the ones who refused to surrender The three rather died than to flee Know that your memory Will be sung for a century
Three took the blow, while impressing their foe Throwing dice with their lives As they're paying the price Sent to raise hell, hear the toll of the bell It is calling for you as the Wehrmacht devised
Far, far from home, to a war Fought on foreign soil and Far, far from known, tell their tale Their forgotten story Cobras fumantes, eterna é sua vitória
Rise from the blood of your heroes You, were the ones who refused to surrender The three, rather died than to flee Know that your memory Will be sung for a century
Sent over seas to be cast into fire Fought for a purpose with pride and desire Blood of the brave they would give to inspire Cobras fumantes, your memory lives!
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Nós lembramos, sem rendição Heróis de nosso século
Três homens ficaram firmes, e resistiram por muito tempo Indo para a luta, para a morte que os espera Loucos ou corajosos, isso acabará na sepultura? À medida que eles doam suas vidas Conforme sua honra dita
Longe, longe de casa, em uma guerra Travada em solo estrangeiro e Longe, no desconhecido, contem seu conto Sua história esquecida Cobras fumantes, eterna é sua vitória
Ergam-se do sangue dos seus heróis Vocês foram os únicos que se recusaram a render-se Os três que optaram por morrer em vez de fugir Saibam que a sua memória Será cantada por um século
Os três levaram o golpe, enquanto impressionavam seu inimigo Jogando dados com suas vidas Enquanto pagavam o preço Enviados para infernizar, ouçam o toque dos sinos Ele está chamando por você como a Wehrmacht planejou
Longe, longe de casa, em uma guerra Travada em solo estrangeiro e Longe, no desconhecido, contem seu conto Sua história esquecida Cobras fumantes, eterna é sua vitória
Ergam-se do sangue dos seus heróis Vocês foram os únicos que se recusaram a render-se Os três, que optaram por morrer em vez de fugir Saibam que a sua memória Será cantada por um século
Enviados de longe para ser lançados no fogo Lutaram por um propósito com orgulho e desejo Sangue dos bravos que inspiraria Cobras fumantes, sua memória vive! |
A música Smoking Snakes (Cobras Fumantes, em português) faz menção a uma história que envolve a participação brasileira na guerra. O Brasil declarou guerra às nações do Eixo em agosto de 1942, após os alemães terem torpedeado e afundado algumas embarcações mercantes brasileiras. Após ter declarado guerra, o governo brasileiro autorizou a fundação da Força Expedicionária Brasileira (FEB), o que aconteceu em novembro de 1943.
A FEB fez o alistamento de soldados e enviou cerca de 25 mil combatentes brasileiros para a Europa, onde se juntariam ao esforço de guerra dos Aliados. Os soldados brasileiros ficaram conhecidos como “pracinhas” e foram para a guerra liderados pelo general Mascarenhas de Morais. As tropas do Brasil juntaram-se com o 5º exército americano e lutaram no Norte da Itália. O termo “cobras fumantes” faz menção ao símbolo da FEB, que possuía uma cobra fumando. Esse símbolo era uma provocação da FEB a um dito popular da época. Afirmava-se que era “mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil participar da Segunda Guerra”.
A música faz menção a uma história bastante difundida a respeito de três soldados brasileiros que faziam ronda por uma estrada em Montese quando se depararam com uma companhia alemã de 100 homens. Os três soldados brasileiros foram avistados e receberam ordens de se render. A ordem foi rechaçada pelos brasileiros, que ofereceram resistência aos alemães.
A motivação dos três soldados brasileiros era evitar que uma tropa brasileira de 30 soldados que estava na região fosse surpreendida pela companhia alemã. Os três soldados brasileiros lutaram até a morte e receberam o reconhecimento dos alemães, que os enterraram com a homenagem “três heróis brasileiros”.
Os três soldados chamavam-se Geraldo Baeta, Arlindo Lúcio e Geraldo Rodrigues, todos nascidos em Minas Gerais. O corpo dos três está enterrado no Monumento aos Pracinhas, que fica no Rio de Janeiro.
Essa história, no entanto, possui controvérsias, pois alguns afirmam que existem divergências e que os três citados podem não ter sido os soldados que de fato lutaram em Montese. Novamente entra a reflexão de como a memória de determinados eventos da história é perpetuada de maneira muitas vezes errônea.
Outros exemplos de música da banda que podem ser explorados em sala de aula são:
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Night Witches, sobre uma força aérea soviética formada apenas por mulheres;
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Screaming Eagles, sobre a Batalha de Bastogne.
Esse exercício em sala de aula pode ser complementado com um trabalho no qual o professor previamente seleciona determinada quantidade de músicas e orienta os alunos a fazer uma pesquisa em grupo sobre o evento específico do qual a música trata.
|1| HASTINGS, Max. Inferno: o mundo em guerra 1939-1945. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2012, p. 554.
Por Daniel Neves
Graduado em História